Tema recorrente, e
por que não, atual, no meio político é a possibilidade de cassação do mandato
do vereador.
Procuraremos aqui,
dar uma abordagem técnica sobre o tema que, como se verá, comporta algumas
considerações importantes.
O processo de
cassação do mandato de um vereador pela Câmara Municipal é regido pelo Decreto-Lei
nº 201 de 27 de fevereiro de 1967 onde, em seu artigo 7º, incisos I, II e III
estão previstas as hipóteses para a instauração de uma Comissão Processante
visando tal ato, a saber:
Art.
7º A Câmara poderá cassar o mandato de Vereador, quando:
I - Utilizar-se do
mandato para a prática de atos de corrupção ou de improbidade administrativa;
II -
Fixar residência fora do Município;
III -
Proceder de modo incompatível com a dignidade, da Câmara ou faltar com o decoro
na sua conduta pública.
Algumas Leis Orgânicas
municipais fizeram por inserir novas causas de perda de mandato bem como causa
similar ao disposto no item III do aludido artigo, dispondo expressões do tipo:
“cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar ou
atentatório às instituições vigentes”.
Em primeiro, de se
haver uma denúncia formal, por escrito, regularmente protocolizada junto à Câmara
Municipal, dispondo os fatos que em tese se configurariam infrações sujeitas a
perda do mandato.
Em havendo denúncia
formal, deve ser preenchido o requisito da legitimidade para seu oferecimento,
consoante previsto no art. 5º em seu inciso I do Decreto Lei nº 201/67, qual
seja, tratar-se de eleitor regularmente alistado junto a justiça eleitoral.
Têm-se, a seguir, de se preencher o segundo requisito, qual seja, a exposição
dos fatos e a indicação das provas.
Neste passo,
competirá a Presidência do Poder Legislativo, observar o disposto no artigo 5º,
inciso II, do aludido Decreto que determina que, “De posse da denúncia, o Presidente da Câmara, na primeira sessão, determinará sua leitura e consultará a
Câmara sobre o seu recebimento”..
Isto significa não
se tratar de ato facultativo ou discricionário do Presidente – colocar em votação
ou não -, vale dizer, está obrigado, via legislação pertinente, a
colocar a denúncia em votação para ver se esta será ou não recebida. Se o denunciante ou o denunciado for o próprio Presidente da Câmara Municipal, passará a Presidência ao seu substituto legal, para os atos do processo, inclusive para o recebimento da denúncia, devendo ser convocado seu suplente.
Quanto ao quorum
para o recebimento da denúncia, cumpre destacar que hoje é entendimento
pacificado a necessidade da aprovação
por dois terços dos membros da Câmara, e não "voto da maioria dos presentes" como consta do art. 5º,
II, do Decreto-lei nº 201/67. Trata-se de aplicação do art. 52, parágrafo
único, e art. 86, ambos da Constituição Federal, e que alteraram, nesse
aspecto, a menção do antigo texto em face do princípio da simetria entre
situações semelhantes no âmbito federal e no estadual (princípio da simetria
com o centro).
A
CF/88, no parágrafo único do art. 52, refere-se à perda do cargo de Presidente
da República dizendo que a condenação "somente será proferida por 2/3 dos
votos do Senado Federal", e no art. 86, que a acusação somente será
admitida "por 2/3 da Câmara dos Deputados".
A
Constituição Estadual de São Paulo, de 1989, no art. 49 repete que, em relação
ao Governador, a acusação será admitida "por dois terços da Assembléia
Legislativa".
Diante
das disposições constitucionais, o Tribunal
de Justiça do Estado de São Paulo declarou a inconstitucionalidade do
aludido preceito do Decr.-lei 201/67 (de modo a prevalecer a exigência
constitucional federal e estadual de voto de dois terços dos membros da
Câmara também para os municípios), na Ação Direta de Inconstitucionalidade
nº 26.279-0/2, j. em 30/8/95 pelo Tribunal Pleno, Relator Des. CUNHA BUENO, por
votação unânime, que tinha por objeto dispositivo da Lei Orgânica do Município
de Cubatão-SP.
ANTONIO TITO COSTA, a respeito, expõe, na sua obra Responsabilidade de Prefeitos e Vereadores (Ed. Revista dos Tribunais,
3ª ed., 1998, p. 249 e ss.):
"É importante lembrar que o
quorum para votação do recebimento da denúncia tem de ser de dois terços dos
membros da Câmara, e não maioria absoluta dos presentes como dizia o Dec.-lei
201/67. E assim há de ser por duas razões, entre outras: em primeiro lugar,
para que se cumpra a simetria entre situações semelhantes no âmbito federal e
no estadual. O Município não pode, nesse particular, ter comportamento
diferenciado, em desfavor da garantia do acusado. A Constituição, no art. 52,
par. ún., assim no art. 86, exige o quorum de dois terços para a declaração
de perda de mandatos federais. As Constituições dos Estado contemplam de
maneira igual a exigência. Não haverá de ser diferente no âmbito municipal. O
modelo federal impõe aos demais níveis dos poderes estaduais e municipais o
paralelismo das formas, em decorrência da necessidade de rigoroso cumprimento
das regras constitucionais.
Bem por isso, o Tribunal de Justiça
de São Paulo, no julgamento de ação direta de inconstitucionalidade de preceito
inserido em lei orgânica municipal, assim deixou decidido: "...patente que
o Dec.-lei 201/67 só foi recepcionado pela Constituição Federal vigente no
tocante ao quorum da condenação. Quanto ao necessário para o recebimento da
denúncia, vale aquele de dois terços previsto constitucionalmente".
Dispondo a Lei Orgânica do Município
de modo diverso, o preceito será, irremediavelmente, inconstitucional".
Continua
o afamado TITO COSTA, sustentando a
necessidade de quorum de 2/3:
"Em segundo lugar, porque não
se pode aceitar que para a cassação final se exija quorum qualificado de dois
terços dos membros da Câmara, enquanto o recebimento da denúncia, momento
crucial para deflagrar-se o processo cassatório, possa dar-se por maioria
ocasional dos presentes à sessão.
A incoerência, nesse particular, da
lei de exceção, está sendo corrigida, agora, pela nova Constituição, sob o
prestigiamento de julgados de nossos mais importantes tribunais
judiciários."
E
termina, acrescentando:
"Até mesmo por razões de
segurança política dos acusados, que, assim sendo, ficariam sujeitos à
deliberação muitas vezes apressada e equivocada de eventual maioria simples de
parlamentares presentes à sessão."
Também
outros autores que tratam da defesa de Prefeitos e Vereadores por infração ao
Decreto-lei nº 201/67 referem-se à inconstitucionalidade da aludida
"maioria simples dos membros da Câmara".
JOSÉ NILO DE CASTRO – presidente do IBDM – Instituto Brasileiro de
Direito Municipal – preleciona que, "para
validamente ser instaurado processo político-administrativo contra o Prefeito,
impõe-se a deliberação de dois terços dos vereadores à Câmara Municipal,
de vez que, no particular, a maioria simples prevista no art. 5º, II, do
Decreto-lei nº 201/67, não se compadece do texto constitucional federal (art.
86, par. ún.) e tampouco do texto constitucional estadual (art. 91, § 3º -- na
CE-SP, art. 49, caput). É a aplicação do princípio de simetria com o
centro." (A defesa dos Prefeitos e Vereadores, Ed. Del Rey, 1995,
p.105-6).
Em
seu livro, NILO DE CASTRO (Direito Municipal Positivo, Ed. Del Rey,
4ª ed., 1999, p.382-3) rememora que o Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, na ação direta de inconstitucionalidade antes referida (ADIn nº 25.279-0/2
– j. 30/8/95, por votação unânime, em sessão plenária), fixou o entendimento de
que a aprovação para recebimento de denúncia por crime de responsabilidade de
Prefeito deve ser dada por pelo menos 2/3 dos membros da Câmara dos Vereadores,
nos exatos limites traçados pelas Constituições Federal e Estadual, destacando:
"Assim, patente que o
Decreto-lei nº 201/67 só foi recepcionado pela Constituição Federal vigente no
tocante ao quorum de condenação.
"Quanto ao necessário para
recebimento da denúncia, vale aquele de 2/3 previsto constitucionalmente".
Outro autor e parecerista consagrado em tema de Direito
Municipal, MAURÍCIO BALESDENT BARREIRA,
também acentua que "o princípio da
simetria impõe tratamento igual ao que dispensa o art. 86 da CF/88 ao Presidente
e as Constituições Estaduais aos Governadores, carecendo de deliberação de 2/3
dos Vereadores e não de maioria dos presentes como consignado no decreto-lei (Direito Municipal Aplicado, Ed. Del Rey,
1997, p.172).
Assim sendo, a denúncia deve ser lida na primeira sessão subseqüente ao
seu recebimento, consultando-se o plenário acerca do seu recebimento ou não.
Obtidos dois terços dos votos favoráveis ao recebimento da denúncia,
na mesma sessão será constituída a Comissão Processante, com três Vereadores
sorteados entre os desimpedidos, os quais elegerão, desde logo, o Presidente e
o Relator, consoante preconiza o artigo 5º, inciso II do Decreto-Lei 201/67.
Não se obtendo o quorum de dois terços, a denúncia é arquivada.
Vale aqui ressaltar que, por tratar-se de quorum qualificado, os dois
terços são computados levando-se em conta o número total de cadeiras, e não, o
número de presentes.
Decidido o recebimento pelo voto de dois terços dos vereadores, na mesma
sessão será constituída a Comissão processante, com três Vereadores sorteados
entre os desimpedidos, os quais elegerão, desde logo, o Presidente e o Relator.
A partir daí, segue-se o procedimento previsto no artigo 5º do Decreto Lei
nº 201/67.
Concluído o julgamento, o Presidente da Câmara proclamará imediatamente
o resultado e fará lavrar ata que consigne a votação nominal sobre cada
infração, e, se houver condenação, expedirá o competente decreto legislativo de
cassação do mandato do Vereador. Se o resultado da votação for absolutório, o
Presidente determinará o arquivamento do processo. Em qualquer dos casos, o
Presidente da Câmara comunicará à Justiça Eleitoral o resultado.
De resto, vale destacar que todo o processo deverá estar
concluído dentro em noventa dias, contados da data em que se efetivar a
notificação do acusado. Transcorrido o prazo sem o julgamento, o processo será
arquivado, sem prejuízo de nova denúncia ainda que sobre os mesmos fatos.
Como é feita essa denúncia? No MP ou o próprio advogado da Câmara Municipal se encarrega?
ResponderExcluirArtigo extremamente útil, no caso concreto e que estamos a empreitar.
ResponderExcluirArtigo claro, perfeito, de grande valia que traz subsídios a um processo dessa natureza que estamos acompanhando.
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