sexta-feira, 9 de março de 2012

Administração pública federal se tornou refém das medidas provisórias


A comunidade jurídica e, claro, toda a sociedade, viu ocorrer algo inusitado esta semana no Supremo Tribunal Federal — numa sessão, decidiu pela inconstitucionalidade formal da criação do Instituto Chico Mendes, por notório vício na tramitação da Medida Provisória que o instituiu; em outra sessão, no dia seguinte, voltou atrás, sob argumento de que se mantivesse aquela decisão, o país iria parar.
De fato, o que o Supremo havia entendido é que houve um “vício” na tramitação, pois a Medida Provisória foi aprovada em 2007 diretamente pelos plenários da Câmara e do Senado, sem passar por uma comissão mista, contrariando, destarte, a Constituição Federal. Imediata e, diria, acertada a inquietação da Advocacia-Geral da União, uma vez que o precedente tornaria inconstitucional cerca de 400 MPs já aprovadas e inviabilizaria outras 50 em plena tramitação no Congresso Nacional.
Daí o acatamento à questão de ordem para dizer que o dito — e depois não dito — só vale daqui para frente. Ocorre que o episódio contém um alerta gravíssimo, qual seja: a administração pública federal se tornou (ou nos tornamos todos) refém das MPs que, de excepcionais, se transformaram na fonte legislativa primária mais fundamental de que se dispõe. A ponto de, sem elas, conforme defendeu a AGU, restarem comprometidos os programas sociais do governo.
É a exacerbação do principio de que os fins justificam os meios. É de se perguntar: nesse atropelar do processo legislativo que é imposto pela própria Carta Magna, qual tem sido o papel do Congresso Nacional? Não estaria sendo ele um mero carimbador da vontade do Poder Executivo que, legislando livre e plenamente pela via excepcional, impõe todas as suas diretrizes, pouco importando a forma com que isso se dê?
Resulta claro que chegamos a um ponto tão descontrolado de edição de Medidas Provisórias, muitas sem qualquer relevância ou urgência, que a esta altura pouco importa a observância aos rigores das normas quanto ao processo legislativo. Compreende-se, desse modo, a frase de um dos ministros, ao justificar a revisão da decisão: “A situação é muito grave, talvez uma das mais graves com as quais já tenhamos nos deparado”.
Ainda esta semana, o Senado deu um sinal de reação à desmedida ingerência do Executivo ao rejeitar um nome indicado para uma das agências de regulação, como se batesse a mão na mesa para dizer que passará a exercer suas atribuições republicanas. Bem fariam os nossos parlamentares se aproveitassem a (in)constitucionalidade da MP que trata da criação do Instituto Chico Mendes e pusessem um freio definitivo na usurpação das suas atribuições legislativas.
No mínimo, pouparia o STF da situação de dizer que inconstitucionalidade há, mas para o bem de todos e felicidade geral da nação, ela não pode ser declarada.

quinta-feira, 8 de março de 2012

Resolução do TSE: Contas de Campanha Eleitoral


Por 4 votos a 3, o TSE alterou a interpretação da lei eleitoral que vigorou para as últimas eleições, em 2010, quando o entendimento era de que bastava a prestação de contas para que o registro de candidatura fosse autorizado. Ou seja, o candidato que não tiver as contas da última eleição concorrida por ele aprovadas, será impedido de efetuar seu registro de candidatura para a próxima eleição que decidir disputar. Os ministros do TSE consentiram, contudo, que, em caso de atraso na avaliação das contas pela Justiça Eleitoral, o candidato não poderá ser impedido de concorrer.

O ministro Gilson Dipp voltou a manifestar sua contrariedade em relação à alteração da interpretação da lei eleitoral. De acordo com o ministro, o novo entendimento fere dispositivos da Lei das Eleições (parágrafo 7º do artigo 11 da Lei 9.504/1997, alterada pela Lei 12.034/2010), ao contrariar explicitamente a “vontade do legislador” que a concebeu.

Trata-se de uma afronta à Constituição por via transversa. É uma tentativa de criar uma inelegibilidade que só poderia ser criada por determinação constitucional ou lei complementar.

A mera reprovação de contas não significa nada por si só, nem indica a existência de um crime ou irregularidade. Uma conta pode ser reprovada pela simples inobservância de aspectos meramente formais, como um erro de preenchimento de uma nota fiscal.

Esta medida pode prejudicar os candidatos com menos recursos financeiros, já que estes não têm condições de contratar um profissional para elaborar as contas de campanha.

Os candidatos com menos dinheiro serão os mais prejudicados. De acordo com os próprios tribunais, 90% das contas que não são aprovadas, são indeferidas em virtude de pequenos erros de ordem material.

O TSE não pretende impugnar o registro de candidatura apoiado diretamente na reprovação das contas, mas sim na ausência da quitação eleitoral, geradas pelas contas não aprovadas. Este entendimento é "falacioso", uma vez que contraria explicitamente a vontade do legislador quando da redação da Lei 9.504/1997, alterada pela Lei 12.034/2010, que discrimina as hipóteses de negativa de quitação eleitoral, não contemplando a "não aprovação de contas de campanha".
A razão do entendimento é justa, mas a forma, errada. Existem dois pontos relevantes na aplicação deste entendimento. O primeiro é que ele muda a situação jurídica de pessoas que até o dia anterior ao da decisão estavam elegíveis, e agora, não estão mais. O segundo é que pelo que se pôde constatar no julgamento, o acórdão não definirá o tempo em que se perdurará a restrição.
Ambos os casos podem trazer insegurança jurídica.
Por mais que o TSE tenha um poder híbrido, pois tem poder normativo e de regulamentação das eleições, esta deliberação por fim acaba estabelecendo um critério indireto de elegibilidade (ter as contas aprovadas), e que neste caso, seria uma reserva legal do Poder Legislativo.