A comunidade
jurídica e, claro, toda a sociedade, viu ocorrer algo inusitado esta semana no
Supremo Tribunal Federal — numa sessão, decidiu pela inconstitucionalidade
formal da criação do Instituto Chico Mendes, por notório vício na tramitação da
Medida Provisória que o instituiu; em outra sessão, no dia seguinte, voltou
atrás, sob argumento de que se mantivesse aquela decisão, o país iria parar.
De fato, o que o Supremo havia entendido é
que houve um “vício” na tramitação, pois a Medida Provisória foi aprovada em
2007 diretamente pelos plenários da Câmara e do Senado, sem passar por uma
comissão mista, contrariando, destarte, a Constituição Federal. Imediata e,
diria, acertada a inquietação da Advocacia-Geral da União, uma vez que o
precedente tornaria inconstitucional cerca de 400 MPs já aprovadas e
inviabilizaria outras 50 em plena tramitação no Congresso Nacional.
Daí o acatamento à questão de ordem para
dizer que o dito — e depois não dito — só vale daqui para frente. Ocorre que o
episódio contém um alerta gravíssimo, qual seja: a administração pública
federal se tornou (ou nos tornamos todos) refém das MPs que, de excepcionais,
se transformaram na fonte legislativa primária mais fundamental de que se
dispõe. A ponto de, sem elas, conforme defendeu a AGU, restarem comprometidos
os programas sociais do governo.
É a exacerbação do principio de que os fins
justificam os meios. É de se perguntar: nesse atropelar do processo legislativo
que é imposto pela própria Carta Magna, qual tem sido o papel do Congresso Nacional?
Não estaria sendo ele um mero carimbador da vontade do Poder Executivo que,
legislando livre e plenamente pela via excepcional, impõe todas as suas
diretrizes, pouco importando a forma com que isso se dê?
Resulta claro que chegamos a um ponto tão
descontrolado de edição de Medidas Provisórias, muitas sem qualquer relevância
ou urgência, que a esta altura pouco importa a observância aos rigores das
normas quanto ao processo legislativo. Compreende-se, desse modo, a frase de um
dos ministros, ao justificar a revisão da decisão: “A situação é muito grave,
talvez uma das mais graves com as quais já tenhamos nos deparado”.
Ainda esta semana, o Senado deu um sinal de
reação à desmedida ingerência do Executivo ao rejeitar um nome indicado para
uma das agências de regulação, como se batesse a mão na mesa para dizer que
passará a exercer suas atribuições republicanas. Bem fariam os nossos
parlamentares se aproveitassem a (in)constitucionalidade da MP que trata da
criação do Instituto Chico Mendes e pusessem um freio definitivo na usurpação
das suas atribuições legislativas.
No mínimo, pouparia o STF da situação de
dizer que inconstitucionalidade há, mas para o bem de todos e felicidade geral
da nação, ela não pode ser declarada.
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