Enquanto tramita na
Câmara dos Deputados, sob críticas, projeto do novo Código de Processo Civil
feito pela comissão de juristas nomeada pelo Senado e já aprovado na casa, uma
nova proposta pretende apaziguar os ânimos ao aproveitar as novidades, mas excluir
itens que geram divergências. O Projeto de Lei 2.963/2011, do deputado Miro
Teixeira, foi apresentado em dezembro do ano passado e, neste mês, direcionado
à comissão especial da Câmara que avalia os projetos relacionados ao tema,
inclusive o PL 166/2010, do Senado.
A nova proposta segue a linha do que foi
aprovado no Senado. Não extingue, no entanto, os agravos retidos e os embargos
infringentes, nem diminui o tamanho dos agravos de instrumento. A principal
diferença é que os juízes não ganham os poderes cautelares e antecipatórios que
o PL 166 criou. De outro lado, ficam mantidas ideias que conseguiram consenso,
como a conciliação no início do processo, o desaparecimento da exceção de
incompetência e da impugnação ao valor da causa, a citação eletrônica e os
incidentes de desconsideração da personalidade jurídica e da resolução de
demandas repetitivas. Ficam também as menções ao tratamento da advocacia e da
defensoria públicas, da assistência judiciária e a modernização da disciplina
dos honorários, do duplo grau obrigatório e do agravo de instrumento.
Um dos superpoderes tirados dos juízes no
projeto de Miro Teixeira é o de deferir cautela de ofício, para além do pedido
feito pelas partes, de forma genérica e não baseada em regra expressa. O juiz
também deixa de poder intervir na atividade empresarial e de alterar prazos
processuais ou inverter a ordem de produção das provas como bem entender, como
aprovado no Senado. O texto do projeto da Câmara também exclui artigo que diz
expressamente que o magistrado pode decidir com base nos princípios da
dignidade da pessoa humana, da razoabilidade e da proporcionalidade. Para os
críticos, menções abstratas podem dar ensejo a arbítrios e decisões sem base
legal.
Retornam o arresto, o sequestro, a busca, a
apreensão e o arrolamento de bens, excluídos da proposta no Senado. O novo
projeto devolve também a exceção de suspeição do juiz, mas mantém excluída a
exceção de incompetência, julgada em paralelo ao processo principal. Esse tipo
de discussão passa a ser feita dentro do próprio processo.
O projeto de Miro Teixeira também inclui o
agravo retido, retirado pelo Senado. Esse tipo de contestação fica retida
dentro do processo para ser apreciada em tempo oportuno e permite ao juiz
voltar atrás em uma decisão. Voltam ainda procedimentos especiais como a ação
monitória, o usucapião, a nunciação de obra nova, a prestação de contas pelo
devedor e a consignação em pagamento em caso de dúvida.
A proposta permite que conciliações sejam
feitas por câmaras privadas. As pessoas jurídicas, associações ou tabelionatos
poderão criar suas próprias câmaras de conciliação. Hoje, isso só existe para
causas extrajudiciais. No projeto do Senado, essa atividade foi atribuída ao
Judiciário, mas Miro Teixeira propõe tirar a exclusividade da Justiça. Dessa
forma, assim que um processo começar, o juiz poderá ordenar a conciliação em
uma câmara privada.
Cai também a limitação do
agravo de instrumento para apenas 10 itens. O novo projeto amplia para mais
hipóteses, como quando o juiz indefere pedido de prova pericial ou de exibição
de documento, ou se fixa honorários em valor exorbitante. Pela proposta do
Senado, todas essas contestações só seriam julgadas na apelação, o que hoje
chega a demorar três anos em alguns casos. “Se isso passar, os advogados
irão entupir os tribunais com mandados de segurança”, alerta o professor de
Teoria Geral do Processo e Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da
USP Antônio Cláudio da Costa Machado (foto). O professor foi um dos autores dos 2,5 mil
comentários sugerindo mudanças no projeto do Senado em consulta pública feita
pela Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça. O resultado da consulta foi entregue no dia 8 de
fevereiro pelo secretário Marivaldo Pereira ao deputado Sérgio Barradas
(PT-BA), relator, na Câmara dos Deputados, da proposta do Senado.
Miro Teixeira também devolve os embargos
infringentes, em que uma votação por maioria em segundo grau é feita novamente
caso o voto vencido seja no mesmo sentido da decisão de primeiro grau. “Isso
qualifica as decisões. Se nem o tribunal se entende, por que não admitir?”,
questiona Machado. Segundo ele, o recurso é usado em apenas 2% das causas.
Mesmo assim, a proposta desagrada a julgadores dos tribunais, que consideram o
recurso mera postergação da solução final.
Pondo fim à discussão criada pela Emenda
Constitucional 66, de 2010, o projeto restabelece a possibilidade de separação
consensual. A chamada emenda do divórcio tornou mais simples os procedimentos
ao deixar de exigir a separação judicial de um ano ou a separação de fato de
dois anos para se deferir o divórcio. No entanto, a emenda não deixou claro se
a separação consensual ou litigiosa foi extinta. Segundo especialistas, mesmo
que isso tivesse ocorrido, a emenda dependeria de uma alteração no Código Civil
ou na Lei do Divórcio, a Lei 6.515/1977.
De outro lado, pelo Projeto 2.963 ficam
mantidos a antecipação de tutela e os procedimentos específicos do processo
cautelar. Também permanecem o incidente de resolução de demandas repetitivas e
o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, inseridos no CPC pelo
Senado. O projeto mantém a reformulação sobre o tratamento dos honorários
advocatícios, que define parâmetros para a redução quando a Fazenda Pública é
derrotada. Em caso de valores expressivos, o teto é de 1%. As previsões de prestação
de assistência judiciária pela defensoria e pela advocacia públicas ficam
mantidas conforme definição do Senado, assim como o auxílio direto de um juiz
em relação ao outro, sem formalidades rigorosas, como no caso de colaboração
para se ouvir testemunhas ou para fazer diligências.
Entre 12 de abril e 16 de maio de 2011, o
Ministério da Justiça colheu opiniões sobre as mudanças propostas no Senado. Ao
todo, foram colhidos 2,5 mil comentários e sugestões acerca de cada um dos
1.007 artigos do projeto. A Secretaria de Assuntos Legislativos resumiu o
resultado em mais de cem sugestões de alteração.
Em outubro de 2009, o presidente do Senado,
José Sarney (PMDB-AP), instaurou uma comissão de juristas para elaborar o
anteprojeto do novo CPC. Em 8 de junho de 2010, a comissão entregou o
anteprojeto ao presidente do Senado. Entre os diversos pontos abordados no
anteprojeto estavam a redução do formalismo processual e do número de recursos,
o incentivo ao uso da mediação como meio para a solução de conflitos e a
criação mecanismos que permitam a solução conjunta de demandas repetitivas.
Para Clito Fornaciari Júnior,
professor e membro das Comissões de Direito Civil e de Direito Processual Civil
da International Bar Association, a existência de órgãos conciliadores fora da
Justiça prejudicam a observância das regras do devido processo legal. Ele
concorda, no entanto, com a limitação de poderes aos juízes em relação ao uso
de princípios como os da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade e da
proporcionalidade. “São regras que servem para alimentar a lei e não para
interpretar a lei”, diz. “O devido processo legal exige regra expressa e muito
clara de processo, a fim de que a lei processual não seja apenas aquilo que o
juiz entende que deve ser.”
Segundo ele, com as seguidas mudanças, a
proposta de um novo Código se aproxima ainda mais do atual, o que põe em dúvida
a real necessidade de novo regramento. “A mudança de uma lei processual é mais
problemática do que a mudança de uma lei de direito material, pois se mexe na
ferramenta, no modo de se trabalhar e não no conteúdo das questões”, afirma.