Artigo publicado no
jornal Folha de S.Paulo desta terça-feira (29/5)
MÁRCIO THOMAZ BASTOS
Em 1956, solicitador acadêmico - o
equivalente de então de estagiário -, comecei a advogar.
Exerci a atividade ininterruptamente, de
forma intensa, conquanto modesta, até 2002. Parei em 2002 e assumi,
extremamente honrado, o Ministério da Justiça, no governo Lula, onde fiquei por
50 meses.
Artigo
publicado no jornal Folha
de S.Paulo desta terça-feira (29/5)
Em 1956, solicitador
acadêmico - o equivalente de então de estagiário -, comecei a advogar.
Exerci a atividade
ininterruptamente, de forma intensa, conquanto modesta, até 2002. Parei em 2002
e assumi, extremamente honrado, o Ministério da Justiça, no governo Lula, onde
fiquei por 50 meses.
Fiz uma quarentena, que não
me era obrigatória, até final de 2007, quando voltei a me dedicar ao meu
verdadeiro ofício, a prática legal. Ou seja, para terminar esta exposição cheia
de datas, de 1956 a 2012 (56 anos) fui ministro por quatro anos. Os outros 52,
devotei-os à advocacia.
Também servi à profissão
como dirigente da OAB-SP e da OAB nacional. Na vida profissional, alguns
momentos me orgulharam muito: as Diretas Já, a Constituinte, o julgamento dos
assassinos de Chico Mendes, a fundação do Instituto de Defesa do Direito de
Defesa e muitas centenas de defesas que assumi, tanto no júri como no juiz
singular.
No Ministério da Justiça, a
reestruturação da Polícia Federal, a construção do Sistema Penitenciário
Federal, a reforma do Judiciário, a campanha do desarmamento, a reformulação da
Secretaria de Direito Econômico, a implantação do Sistema Único de Segurança
Pública, o pioneiro Programa de Transparência, a demarcação da terra indígena
Raposa Serra do Sol e a fundação da Força Nacional de Segurança Pública.
Foram duas fases bem
distintas e demarcadas. Numa, o serviço público, trabalho balizado sob o signo
de duas lealdades que nunca colidiram: às instituições e à Presidência.
Noutra (advocacia e OAB),
primeiro a luta pelo estabelecimento de um Estado de Direito; depois, a prática
profissional, que procurei marcar pelo respeito à ética, ao estatuto da OAB, às
leis e, principalmente, à Constituição brasileira, entre cujos dogmas
fundamentais estão assegurados o direito de ampla defesa, o devido processo
legal, o contraditório, a licitude das provas, a presunção de inocência e, de
forma geral, a proibição dos abusos.
Durante essa longa
trajetória de advogado que vota no PT -não de petista que advoga-, tive muitas
oportunidades de representar clientes vistos como inimigos figadais do partido.
(Não cito nomes, para preservá-los.) Nenhum foi recusado por isso.
Desse modo, salvei minha
independência como defensor, nunca a alienando a quem quer que fosse. A
liberdade do advogado é condição necessária da defesa da liberdade.
Assim como representei
centenas de clientes dos quais nunca recebi honorários, trabalhei para muitos
que puderam pagar, alguns ricos, entre pessoas físicas e empresas.
Agora que aceitei
representar, no campo criminal, o senhor Carlos Augusto Ramos, apelidado de
Cachoeira, surgem comentários sobre a minha atuação, estritamente técnica.
Fora os costumeiros
canibais da honra alheia -aos quais não dou atenção nem resposta-, pessoas que
parecem bem-intencionadas questionam se eu poderia (ou deveria) ter me
incumbido dessa defesa, ou porque fui Ministro da Justiça, ou então porque sou
ligado ao PT e ao ex-presidente Lula, ou, ainda, "porque não tenho
necessidade de fazer isso".
A todas essas dúvidas, a
resposta é negativa. Nada me proíbe, nesta altura da vida -como nunca antes, à
exceção do tempo do serviço público- de assumir a defesa de alguém com quem não
me sinto impedido, legal, moral ou psicologicamente, cobrando ou não
honorários.
Entre tantos casos
importantes em que venho trabalhando, dois chamaram muito a atenção pública:
esse e o das cotas na UnB. No primeiro, estou recebendo honorários; no segundo,
trabalhei "pro honorem", ou seja, sem nenhuma remuneração.
Em matéria criminal,
aumenta a responsabilidade do advogado, nos termos do nosso código de ética:
"É direito e dever do advogado assumir a defesa criminal, sem considerar a
sua própria opinião sobre a culpa do acusado". Porque, como diz Rui
Barbosa, indo nas raízes da questão:
"Quando quer e como
quer que se cometa um atentado, a ordem legal se manifesta necessariamente por
duas exigências, a acusação e a defesa, das quais a segunda, por mais execrando
que seja o delito, não é menos especial à satisfação da moralidade pública do
que a primeira. A defesa não quer o panegírico da culpa ou do culpado. Sua
função consiste em ser, ao lado do acusado, inocente ou criminoso, a voz dos
seus direitos legais."
O fascinante da profissão é
o seu desafio. Enfrentar o Estado -tão provido de armas, meios e modos de
atingir o acusado- e ser, ao lado deste, a voz de seus direitos legais.
Há 12 anos, escrevi neste
mesmo espaço um texto com o mesmo título: "Em defesa do direito de
defesa". Não esperava ser convidado a escrever outro, sobre o mesmo tema,
depois de tantos avanços institucionais que o Brasil viveu de lá pra cá.
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